sexta-feira, 24 de junho de 2011

Relatório sobre Instituições Ancestrais


O seminário intitulado: Instituições Ancestrais, visou socializar com a turma de Sociedades Africanas, no dia 09/11/2010 a questão ancestral, o preexistente e a criação do mundo Senufo.
O preexistente Senufo ás vezes aparece como princípio primordial masculino, sob o nome de Koulo Tyolo, ou então como primordial feminino quando denominado Ka Tyeleo. Também representado como uma dupla constituída de duas divindades primordiais, uma masculina e outra feminina.
A aparição de uma divindade feminina, reflete na organização matrilinear que têm a comunidade Senufo. De uma forma ou de outra, existe uma forte representação do feminino no âmbito divino desta comunidade.
A legitimidade que este povo têm para com sua questão ancestral é de suma importância para sua organização social, um exemplo disso é a representação do ‘’Bosque Sagrado ‘’, local aonde segundo a crença Senufo, vivia o primeiro casal de seres humanos, auxiliados pela divindade Ka Tyeleo e a comunidade Senufo e matrilinear, a mulher, a mãe que é a base que sustenta toda a estrutura familiar.
Estas crenças, dentre outras deste povo vão além de apenas ‘’histórias’’ contadas pelos seus ancestrais, elas influenciam de tal maneira a vida desta comunidade, sendo introduzida em cada indivíduo e assim moldando assim os pilares da Comunidade Senufo.
     Para os Senufos a terra é considerada como uma das principais manifestações do preexistente, razão pela qual sua natureza é absolutamente sagrada, aparecendo como uma espécie de divindade.
A terra é guardada por divindades de extremo poder, encarregadas de protegê-la e defendê-la. Com a enorme quantidade e por sua importância econômica é exigido alguns cuidados especiais para estabelecer um relacionamento ideal entre a terra e a sociedade, pois essas formam um só universo.
A ocupação inicial de uma área é procedida por um pacto estabelecido entre o ancestral fundador de um núcleo e essas divindades. Esse pacto é selado segundo os meios da sacralização[1], que estabelece direitos e deveres da comunidade em relação a terra.
Feito o pacto a sociedade cria um vínculo histórico indissolúvel com a terra, surgindo as figuras da família-aldeia e do ancestral-fundador. De acordo com o pacto, a terra, ser divino deve necessariamente repousar e o trabalho é organizado de maneira a que cada extensão de cultivo tenha um dia destinado a esse fim ao longo de um período determinado, quando a respectiva família ocupante trabalhará em outro local.
A terra é um dos principais bens legados pelos ancestrais e seu corpo sagrado não pode ser ferido a não ser pelos instrumentos de trabalho[2] por ela oferecida. Ela é considerada princípio e manifestação divina da fertilidade, exige culto caracterizado essencialmente pelos ritos agrários nos quais ocorrem cerimônias especiais, inclusive sacrifício de sangue, envolvendo as divindades, os ancestrais ligados ao pacto, as forças protetoras individuais e coletivas, as divindades gêmeos e a mulher, símbolos de fertilidade. As áreas onde ocorreram os rituais e as próprias sementes são sacralizadas, segundo as fórmulas mágicas concebidas pelos ancestrais, a fim de conseguir uma união fértil e uma boa colheita.
As pessoas que trabalham na terra nos períodos de semeadura e colheita, passam por ritos de purificação e de acréscimos de forças individuais, absorvendo porções preparadas segundo receitas que exigem conhecimento das propriedades das folhas e outros elementos.
            Durante a plantação e o crescimento, é oferecido sacrifícios às divindades protetoras a fim de se obter chuva na medida certa, o afastamento de pragas, a fertilidade e o sucesso nas colheitas.
            O produto não pode ser colhido, estocado ou consumido antes do processo de dessacralização[3], o que ocorre por intermédio das divindades-gêmeos, antes da colheita, ocorrem rituais de oferendas às divindades-gêmeos em porções duplas do que foi obtido, como por exemplo, duas espigas de milho, dois feixes de arroz.  Segundo Coulibaly (1978), essas oferendas não são estocadas por ninguém, são consumidas por animais ou pelo tempo. Após a colheita e estocagem ocorrem outros rituais para evitar o aparecimento de pragas e predadores.  
De acordo com os pactos a terra é algo inapropriável, pode ser usufruída em sua fertilidade e as árvores, frutos, águas e animais existentes na área pactuada, assim como a produção obtida pelo trabalho fazem parte do direito. A terra é algo que não pode ser vendido, é uma doação do preexistente e os pactos estabelecem que a terra não é de ninguém, e sim a toda comunidade abrangida pela aliança sagrada. A terra é algo indivisível, trata-se de um bem coletivo e não privado, sendo transmitido de geração para geração com as mesmas condições. 
            Segundo os pactos a família Nerigba tem o direito de usufruir da fertilidade da terra e administrá-la , o pacto dá direito à uma delimitação de área, sendo uma para o patriarca-chefe, Nerigbaafolo. Uma sub-área, Sekpo é destinado ao trabalho coletivo dos membros da Nerigbaa, é intocável e os produtos nela obtidos vão para as famílias conjugais (kpaa).
            Existe o sistema de sub-áreas de menor porte destinado ao cultivo, que continuam ligadas a parte total originária.
            As áreas chamadas Tologo só podem ser cultivadas para exploração pessoal dos chefes de Kpaa, integrantes da Nerigbaa. Desta cessão são excluídos os homens solteiros, com exceção eventual dos nascidos de um casamento Tyerporg. As mulheres casadas têm direito, a titulo local reservado ao trabalho pessoal. A exploração dessas sub-áreas só podem ser feitas após o trabalho nos campos coletivos. Os produtos podem ser usufruídos livremente pelos beneficiários.
            Os produtos obtidos dessas sub-áreas vão para um sistema complementar da circulação comunitária de alimentos, pois os produtos obtidos nos campos coletivos são estocados nos celeiros comunitários, para distribuição entre os componentes da Nerigbaa. A responsabilidade pela estocagem e circulação de víveres não é do patriarca-chefe, mais sim de outra pessoa o Gbodounjeo (aquele que entra no celeiro), cabe a ele velar pelos celeiros para nunca ficarem vazios, ele exerce sua autoridade plenamente, não cabendo nem ao patriarca-chefe contestar as suas decisões.
            Além dessas sub-cessões existe a atribuição de parcelas de terras-pactuadas a famílias não pactuantes. Esse beneficio é feito pelo patriarca-chefe, representante do pacto. O solicitante poderá explorar a terra, mas não as árvores e os frutos, pois continuam parte da família originária. À morte do cedido, o seu sucessor deve obrigatoriamente obter uma nova autorização que poderá ou não atende-la.
            No âmbito da comunidade, os bens coletivos são representados pelos imóveis da aldeia, lugares públicos, poços, cursos de água, locais de reunião, etc.
             Os trabalhos nos campos coletivos é essencialmente comunitário e ocorre na proporção de quatro dentre os seis dias que configuram a semana Senufo, restando aos indivíduos apenas dois dias para o labor nos campos deferidos as famílias conjugais, estando excluído desta possibilidade os homens solteiros.
            A terra é fonte legitimadora dos valores comunitários, por força do pacto estabelecido com ela pelos ancestrais fundadores. A terra, com seu estatuto sagrado, é um dos bens superiores legados à sociedade pelos ancestrais.
            Não há consenso sobre o aparecimento das primeiras Aldeias Senufo, para alguns eles foram os primeiros a ocupar o território, para outros eles ocuparam o território no ‘primeiro milênio da nossa era’, apesar dessas divergências teóricas, a aldeia Senufo é reconhecida por seu território atual.
 Desde seu surgimento, toda a sua organização e composição física, a Aldeia Senufo é ligada a questão ancestral, a caracterização física da Aldeia, deve ser composta por um Bosque Sagrado, um Panteão e um Cemitério. A sacralização da terra, através do pacto do ancestral-fundador, influenciou em seu modo de produção e na condição sedentária da aldeia, através da Agricultura. O Poro é outro elemento ligado a questão ancestral, surgindo pelo pacto com a terra, são os direitos e deveres de cada elemento da Aldeia.
A organização social se encontra altamente ligada a ancestralidade, a Aldeia Senufo tem por sua célula base a Nerigbaa (família extensa), que agrega ao patriarca-chefe e descendente do ancestral fundador, sua esposa ou esposas, filhos; seus irmãos, cunhadas e sobrinhos; suas irmãs, tias, solteiras ou viúvas e os filhos destas últimas, todos unidos por sangue, critério que permite identificar os seus. Há também a Kpaa, que é composta por famílias conjugais, esposo, esposas ou esposa e filhos. Devido a guerras e deslocamentos, houve a necessidade de novas alianças e além da composição original da Nerigbaa, a linhagem matrilinear, abrange descendente de cativos, de pessoas descendentes de outros complexos civilizatórios, que buscam cessão de terra para o cultivo.

            A Ancestral-Mulher (Katyeleo ou Tyleo, mulher idosa ou tia) é outra dimensão ancestral da aldeia Senufo, a mulher mais idosa da aldeia, altamente respeitada e sempre consultada pelo patriarca-chefe, tem suas palavras sempre ouvidas e suas decisões quase sempre prevalecem, sua função na comunidade é a educação moral e religiosa, arranjando esposos e esposas dentro da aldeia. Durante a realização do pacto com a terra é necessária a presença de uma ancestral-mulher, geradora da família, representando e mantendo a linhagem matrilinear.
            O papel do Ancestral-Fundador não é o da realização do pacto apenas, é o início e continuidade da comunidade, visto como herói e ser semi-divino no interior da aldeia, não perde seu valor e nem sua presença ao morrer. O ancestral-fundador têm um símbolo que o representa dentro da aldeia, mesmo ao morrer, um exemplo são as pedras-seres na aldeia Penyakaha, cada um tem sua pedra-ser, mas a do ancestral-fundador, Penya, se encontra isolada, a céu aberto, interagindo entre os homens e a natureza. A energia vital do ancestral-fundador se confunde com a vitalidade da terra, traz a harmonia, a pedra-ser não é apenas a representação da memória do ancestral-fundador, ela é o próprio ancestral-fundador.
            O patriarca-chefe, além de representante do ancestral-fundador, chefe da Nerigbaa, guardião do pacto e dos princípios ancestrais regentes da administração da família-aldeia, Tarafolo (guardião da Terra), Keguefolo (chefe da aldeia) e Sinzagafolo (principal responsável pelo Sizanga, o Bosque Sagrado), administra a aldeia política e religiosamente, gere bens, arbitra e media litígios, mas apesar dessas funções administrativas, seu poder é limitado. As decisões do patriarca-chefe passa por um conselho, composto por chefes da Kpaa (família conjugal). A organização do trabalho é feita por terceiros, utilizando idade e sexo como critérios; o Sweleo (supervisor dos trabalhos dos campos) é designado através de seu sucesso nas atividades; o Gbodoujeo (o que penetra nos celeiros) é o encarregado do estoque dos produtos coletivos nos celeiros; essas atividades são exemplos do poder limitado do patriarca-chefe, que não pode contestá-las e nem administrá-las. Espiritualmente o patriarca-chefe é Sacerdote do Bosque Sagrado, encarregado de cultos ancestrais, é o principal mediador entre vivos e antepassados, transforma-se em Kouto (parteira mítica do Bosque Sagrado), ajudando no nascimento do homem natural-social.


Referências: :LEITE, Fábio Rubens da Rocha, A questão Ancestral:África Negra/Fábio Rubens da Rocha Leite.-São Paulo:Palas Athena:Casa das Áfricas, 2008


[1] Ação de sacralizar, de tornar sagradas as coisas profanas.
[2] Teg. Ferramenta utilizada pelo o homem (enxada), kakpeg ferramenta utilizada pela mulher.
[3] O contrário de sacra­li­zação. No sentido positivo, consiste em devolver às realidades temporais a sua aptidão original, reconhecendo-lhes a autonomia abusivamente sub­me­tida ao poder religioso.


Autora da postagem:Jullyana =)

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